Cassações pelo STF e o Direito

O Direito chega a ser emocionante em determinados casos, especialmente os inéditos e polêmicos. Mas não é de emoção que o Direito vive, mas sim de decisões, racionais na maioria das vezes.

Vejamos o caso das cassações dos mandatos dos políticos envolvidos com o caso ‘mensalão’. Atualmente há empate neste quesito (os Ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello são a favor da cassação direta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), máxima corte desta nação, sem passar por deliberação da Câmara dos Deputados, enquanto Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Cármen Lúcia entendem que tal ato cabe à Câmara).

Não vamos ficar no ‘achismo’, pois isso cabe a conjecturas de escalações de times de futebol. Decisão em Direito precisa ser fundamentada, baseada em leis. Falando em STF, precisa ser baseada na Constituição Brasileira.

Quem defende a cassação direta pelo STF baseia-se no art. 15, III, da Constituição Federal (CF), que nos diz:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(…)
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

Já os que defendem que a deliberação deve ser dada pela Câmara dos Deputados, também se baseiam na CF, art. 55, VI, § 2º, que assim ordena:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
(…)
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
(…)
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Tal decisão de desempate caberá ao Ministro Celso de Mello, o qual está internado com problemas de saúde neste momento, mas que em breve prolatará seu voto, o qual decidirá sobre a cassação dos envolvidos.

Não podemos enxergar o Direito como algo digital, sim ou não, certo ou errado, 0 ou 1. Inclusive essa é a magia do Direito, é a beleza que ele nos proporciona através do debate, das discussões, das teses envolvidas. Fundamentação há para quem opta pela cassação ou não. Ninguém está errado por optar por um ou outro caminho, afinal, ambos estão fundamentados em nossa CF.

Pessoalmente, na minha humilde e insignificante opinião, inclusive pelo foro privilegiado que estes políticos possuem, a regra do art. 15 da CF deve ser descartada neste caso, pois esta remete aos cidadãos comuns, remete ao direito político dos, vamos dizer, comuns. No caso dos Deputados Federais envolvidos no ‘mensalão’, cabe a regra específica do art. 55, VI, § 2º da CF, que trata especificamente do Poder Legislativo, dos Deputados e dos Senadores.

Certamente este último artigo é mais benéfico aos condenados, pois passarão por voto secreto (o qual sou contra, pois são nossos representantes e necessitamos saber o que pensam, como votam, para optarmos ou não em confiar nosso voto a eles no futuro) e maioria absoluta de seus pares, podendo facilmente manter seus mandatos, seus vencimentos e demais regalias que nós pagamos por termos eles eleitos.

Se Direito fosse emoção, certamente optaria pela cassação direta pelo STF, espero muito que o voto do Min. Celso de Mello seja nesse sentido, mas objetivamente creio que a norma mais específica é a que deve prevalecer, infelizmente. Enquanto isso aguardamos as cenas dos próximos capítulos.

O Fim da Autocracia das Turmas Recursais

Trata-se de um texto interessantíssimo aos operadores do direito, especialmente os que atuam junto aos Juizados Especiais. Tomei a liberdade de replicá-lo em meu site por entender ser um ótimo texto.

 

Link original: http://blex.com.br/index.php/2009/cases/427

 

Por Daniel Fábio Jacob Nogueira

Até pouco tempo atrás as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais eram órgãos jurisdicionais que, essencialmente, não se sujeitavam a qualquer instância revisora de suas decisões de mérito.

Isso porque, por desenho constitucional, não cabe Recurso Especial das decisões das Turmas Recursais. Cabe Recurso Extraordinário para o STF, mas é raríssimo que exista uma violação constitucional direta que autorize o manejo desse instrumento. Em sua esmagadora maioria, as questões postas à discussão em Juizados Especiais são de cunho infraconstitucional.

Também se assentou jurisprudência nos Tribunais Superiores de que não cabe Mandado de Segurança ao Tribunal de Justiça do Estado contra a decisão de mérito das Turmas Recursais. O Remédio Heróico só cabe nessa hipótese quando se aduz que a competência para o feito é da Justiça Comum, mas a Turma Recursal se nega a reconhecer esse fato.

Portanto, sem instância revisora da matéria de direito federal, as Turmas Recursais estavam livres para decidir como bem queriam. Mas graças a uma recente decisão do STF, isso mudou.

O problema apresentado pode parecer irrelevante. O juizado tem – via de regra – competência para feitos de até 40 salários mínimos e uma análise mais superficial leva à conclusão que não faz nenhum sentido importunar as instâncias superiores com esses pequenos feitos. Esta é uma visão míope do problema.

Acontece é que é muito comum que empresas respondam por centenas e até milhares de casos idênticos propostos em juizados. Digamos que uma empresa constrói um modelo de negócios baseado em dispositivo explícito da lei federal infraconstitucional. Por conta desse modelo de negócios, 100 consumidores ingressam em juízo, alegando que tal conduta seria ilegítima, e que a partir de uma interpretação principiológica do Código de Defesa do Consumidor, a citada lei federal não pode ser aplicada. Os casos são litigados em 1ª instância, e todos são recorridos às Turmas Recursais. Metade das Turmas do Amazonas entendem que a conduta é legal, diante do autorizativo expresso da lei federal. A outra metade aplica o entendimento ridículo de que o CDC autoriza o judiciário a ignorar todo o resto do direito positivo brasileiro, ainda que a outra lei seja mais nova e mais específica que o Código.

O cliente então te pergunta: O que ele faz é ou não é legal? Ele deve continuar? A resposta do advogado não é muito satisfatória: Depende da turma recursal, e prepare-se para perder 50% dos feitos, e ganhar outros 50%.

Claramente, a falta de uniformização nos Juizados Estaduais cria um grande problema na administração da Justiça e o problema é mais acentuado para empresas com atuação nacional, que tem que lidar com inúmeras Turmas Recursais Brasil afora, cada uma decidindo do jeito que quer.

Podemos citar também outros casos em que a falta da via recursal ao STJ teria sido problemática caso as Turmas mantivessem a decisão do juiz de 1º grau. No primeiro caso um cliente estava sofrendo constrição patrimonial de R$ 815.000,00 por conta de um caso que tramitava em juizado especial. Noutro caso, o julgador de 1º grau disse com todas as letras que reconhecia que o STJ impunha juros e correção ao dano moral desde a condenação, mas ele queria retroagir essa condenação ao suposto evento danoso. Em ambos os caso revertemos o problema na seara das Turmas, mas se não tivéssemos conseguido teríamos que pensar fora da caixa para procurar uma solução heterodoxa à questão.

Nos Juizados Especiais Federais existe a figura de uma instância quase-especial que é a Turma de Uniformização, cuja missão é exatamente de uniformizar a interpretação da lei federal em todo os sistema federal de pequenos feitos. Na esfera dos Juizados Estaduais, tramita no Congresso Nacional proposta legislativa de criação de órgão semelhante , mas o fato é que hoje esse órgão não existe.

Ou melhor, não existia.

O Supremo Tribunal Federal finalmente enxergou a dimensão do problema. Vislumbrou tudo isso que acabei de descrever e chegou à conclusão que é um absurdo causado por um vácuo jurídico. Mas o Supremo fez melhor: desenhou uma engenhosa solução para o problema.

Ao decidir os Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 571572 o Supremo Tribunal Federal decidiu que o STJ tem missão constitucional de garantir uniformidade da aplicação da lei federal infra-constitucional em todo o país. Assim, por mais que não caiba Recurso Especial das decisões das Turmas, se essas decisões violarem a jurisprudência do STJ quanto à lei federal, a parte pode propor Reclamação perante o STJ para garantir a uniformização.

É bem verdade que os ministros do Supremo : i) em essência legislaram uma solução por conta da omissão legislativa, fazendo dessa reclamação um sucedâneo recursal um verdadeiro fruto do Direito Pretoriano; e ii) alargaram os contornos dantes conhecidos da Reclamação. Antes dessa decisão, a Reclamação se prestava para lidar com casos pontuais em que havia usurpação de autoridade do Tribunal, e não como forma de debater matérias jurídicas.

No entanto acho que a decisão do Supremo, imperfeita como for, teve o louvável propósito de criar uma solução pragmática para um problema real que assolava empresas de todo o Brasil, e que dantes não tinha qualquer solução positivada. E por isso que aplaudo a decisão como exemplo de aplicação prática de pensamento lateral. O STF encarou o problema de modo criativo, e por conta disso deu aos jurisdicionados uma forma de combater a autocracia das Turmas Recursais.

A decisão ainda não foi publicada. Quando for, a disponibilizaremos na íntegra aqui no bLex.

 

Por Daniel Fábio Jacob Nogueira em 08/09/2009